domingo, 6 de julho de 2008

ESCRITOS nº 26


A LENDA DA FLOR-DE-LÓTUS

Certo dia, à margem de um tranqüilo lago solitário, a cuja margem se erguiam frondosas árvores com perfumosas flores de mil cores, e coalhadas de ninhos onde aves canoras chilreavam, encontraram-se quatro elementos irmãos: o fogo, o ar, a água e a terra.
- Quanto tempo sem nos vermos em nossa nudez primitiva - disse o fogo cheio de entusiasmo, como é de sua natureza.
- É verdade - disse o ar. - É um destino bem curioso o nosso. À custa de tanto nos prestarmos para construir formas e mais formas, tornamo-nos escravos de nossa obra e perdemos nossa liberdade.
- Não te queixes - disse a água -, pois estamos obedecendo à Lei, e é um Divino Prazer servir à Criação. Por outro lado, não perdemos nossa liberdade; tu corres de um lado para outro, à tua vontade; o irmão fogo, entra e sai por toda parte servindo a vida e a morte. Eu faço o mesmo.
- Em todo o caso, sou eu quem deveria me queixar - disse a terra - pois estou sempre imóvel, e mesmo sem minha vontade, dou voltas e mais voltas, sem descansar no mesmo espaço.
- Não entristeçais minha felicidade ao ver-nos - tornou a dizer o fogo - com discussões supérfluas. É melhor festejarmos estes momentos em que nos encontrarmos fora da forma. Regozijemo-nos à sombra destas árvores e à margem deste lago formado pela nossa união.
Todos o aplaudiram e se entregaram ao mais feliz companheirismo. Cada um contou o que havia feito durante sua longa ausência, as maravilhas que tinham construído e destruído. Cada um se orgulhou de se haver prestado para que a Vida se manifestasse através de formas sempre mais belas e mais perfeitas. E mais se regozijaram, pensando na multidão de vezes que se uniram fragmentariamente para o seu trabalho. Em meio de tão grande alegria, existia uma nuvem: o homem. Ah! como ele era ingrato. Haviam-no construído com seus mais perfeitos e puros materiais, e o homem abusava deles, perdendo-os. Tiveram desejo de retirar sua cooperação e privá-lo de realizar suas experiências no plano físico. Porém a nuvem dissipou-se e a alegria voltou a reinar entre os quatro irmãos. Aproximando-se o momento de se separarem, pensaram em deixar uma recordação que perpetuasse através das idades a felicidade de seu encontro. Resolveram criar alguma coisa especial que, composta de fragmentos de cada um deles harmonicamente combinados, fosse também a expressão de suas diferenças e independência, e servisse de símbolo e exemplo para o homem. Houve muitos projetos que foram abandonados por serem incompletos e insuficientes. Por fim, refletindo-se no lago, os quatro disseram:
- E se construíssemos uma planta cujas raízes estivessem no fundo do lago, a haste na água e as folhas e flores fora dela?
- A idéia pareceu digna de experiência. Eu porei as melhores forças de minhas entranhas - disse a terra - e alimentarei suas raízes.
- Eu porei as melhores linfas de meus seios - disse a água - e farei crescer sua haste.
- Eu porei minhas melhores brisas - disse o ar - e tonificarei a planta.
- Eu porei todo o meu calor - disse o fogo - para dar às suas corolas as mais formosas cores.
Dito e feito. Os quatro irmãos começaram a sua obra. Fibra sobre fibra foram construídas as raízes, a haste, as folhas e as flores. O sol abençoou-a e a planta deu entrada na flora regional, saudada como rainha. Quando os quatro elementos se separaram, a Flor-de-Lótus brilhava no lago em sua beleza imaculada, e servia para o homem como símbolo da pureza e perfeição humana.
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AMOR ENCANTO ÊXTASE

Vibra o verso no anverso
desta página

ó infinita finitude de sempre

silêncio

ESCOBAR FRANELAS
São Paulo/SP
in: HARDROCKCORENROLL
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AMPULHETA DE PROUST

Não quero saber
Do tempo perdido
Nem do tempo fruído
Não sou de ficar esperando
Nem Godot, nem Godard
Meu negócio é a ampulheta
Empulhando o tempo
Nos bolsos de Marcel Proust.

ANTÔNIO CABRAL FILHO
Rio de Janeiro/RJ
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A HORA É PASSADA

A hora é passada
sempre em meu presente,
e não vivo mais nada
a não ser o ausente
momento em que vivo
dentro dessa hora,
e mais que isso é o juízo
que o futuro ignora.

ANDRÉ BONIATTI
Corbélia/PR
in: Girante Popular
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ficar quieta
quase morta
não mover um sonho

adormecer
por dentro

real:
lugar estreito
onde nada cabe
por inteiro

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Aurora Gris
Contato com a autora:
Av. Eng. Luís La Scala Jr., 186
CEP.: 11075-150 - Santos/SP
e-mail: walmordario@ig.com.br
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QUERÊNCIA

Te quero!
Ah! Como te quero!
É o vinho antigo
que embebeda, embriaga.
É o cheiro forte do campo.
É o ar doce dos apaixonados.

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Um Poeta na Itália
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DUETO

Em silêncio nós dois lavamos a louça
depois de mais um almoço de domingo;
nossa filha brinca no computador,
a tarde é quente e não traz alívio
observar as nuvens tão indiferentes
ao que somos e ao que de nós sobrou.

Despejo detergente na buchinha
e vou esfregando pratos, talheres,
panelas, tampas e um escorredor.
As louças são da época do casamento
e apresentam cantos lascados e riscos
de facas que cortaram nosso alimento.

Um jogo novo de jantar, de porcelana,
dorme no armário, meio esquecido.
Quase não o usamos, não por raiva,
apenas por falta de curiosidade
de provar as coisas sem as marcas
dos dias que, perdidos, são tão nossos.

Do almoço em que você tanto se esmerou
e que em poucos minutos devoramos
restou apenas sujeira, esses detritos.
Despejo mais detergente na buchinha
esfrego com fúria, não desisto.

Na cuba da pia, no olho do ralo,
acumula-se uma camada de restos.
Grãos, pedaços de carne e de cebola,
folhas verdes e o recente caco de louça
tirado de um prato contra o granito.

Não nos olhamos neste domingo
- dia de folga, mas não se folga
neste trabalho escravo de ser.
Cuidamos da louça, você a enxuga
e nossas mãos então se cruzam
sobre o escorredor transbordante
de coisas úmidas e limpas e lascadas.

Esta é a nossa vida, nossa casa.
Poderíamos estar felizes com isso
e talvez até estejamos, lá no fundo.
E afundo as mãos na cuba e retiro
uma faca ainda muito engordurada
como nossa alma sem brilho.

Quando não restam mais louças
para que nelas possamos exercitar
um desejo frustrado de limpeza,
quando tudo volta ao armário
nós nos sentamos na varanda
e damos as mãos como namorados
- mãos macias, brancas e enrugadas
de muito tempo expostas à água,
mãos talvez já sem pecados.

MIGUEL SANCHES NETO
Ponta Grossa/PR
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MENSAGENS:

* Viver intensamente a vida é pregar e exercer o amor permanente.
* A punição dos maus é feita por eles mesmos, cumprindo a lei de causa e efeito.
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FRASE ANÔNIMA:

Eu lavo e semeio. Se não colher, alguém colherá. Meu celeiro pode arder, mas a semente no solo está segura e crescerá. (LAVRADOR POLONÊS)
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FRASES:

"Uma sociedade de carneiros acaba por gerar um governo de lobos." VICTOR HUGO - Escritor francês
"Sem o poder da crítica, nenhum elogio é válido." BEAUMARCHAIS - Escritor francês

O BLUES

(...)
Ainda hoje, às vezes, no sul dos Estados Unidos, pode-se caminhar por uma estrada do campo e, de um pasto iluminado pelo sol e de um curral perto de uma casa de lâminas alfálticas, ouvir alguém que canta sozinho. As canções tem um ritmo livre e simples, com estrofes breves de uma ou duas frases melódicas e o nome que normalmente recebem é hollers. São estas melodias que se tornaram uma das duas fontes mais importantes das quais se derivou o blues.
(...)

Por Samuel Charters
in: Mestres do Blues – Vol. I
(continua na próxima edição)

ESPAÇO DO LEITOR

EU E O BEIJA-FLOR

No exuberante jardim
Do meu coração,
Bem num cantinho,
Nasceu uma Margarida.
No meu sentir,
Formosa e perfumada.
Acariciei-a com ardor.
Soltei longos suspiros.
Beijei-a e sussurrei:
- Até amanhã.
Saí. E um beija-flor
Beijou-a também!

JOÃO BATISTA SERRA
Caucaia/CE
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RIOS DESLUMBRANTES

Rios deslumbrantes
Escorrem sobre vales
Saciam a sede de matas
Cavoucam novos caminhos
Deixam rastros de sua passagem
Eternos rios deslumbrantes
Artérias de vida
Sementes de várias épocas.

ADÃO WONS
Cotiporã/RS
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CACOFOTROVA

Julieta, outro flertando,
Ao amado aborreceu
E falou, se desculpando:
"Perdoa este erro meu!"

PAULO FERNANDO MACIEL RODRIGUES
Santa Maria/RS
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TROVA

Da noite negro tapume,
a completa escuridão,
faz, de estrela, um vagalume
e, de céu, o nosso chão!

FERNANDO VASCONCELOS
Ponta Grossa/PR
in: Gotinhas de Orvalho
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"Para os velhos todos os valores são exacerbados: pelo alto custo dos erros, pela escassez do tempo, pelo contínuo acréscimo de impotência."

MARIA JOSÉ GIGLIO
São Roque/SP
in: Reflexões II
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DICAS DE LEITURA

DITOS, ADÁGIOS E AFORISMOS - Citações - Humberto Del Maestro - 2008. Humberto Del Maestro apresenta neste quarto volume, ditos, adágios e aforismos, atingindo com esta publicação, aproximadamente 3.500 citações no gênero.

ESCADA DE MADEIRA - Poemas - Aparecida Mariano de Barros - Editora Degaspari - 2008. Neste volume de poemas, trovas, haicais e 4 crônicas, a autora revela um espírito sensível às coisas da sua terra e do espírito recolhido em seus sentimentos e divagações. Boa leitura para quem aprecia o acento romântico da inspiração.

LUME - Poemas - Hazel de São Francisco - Neste livro de poemas a autora desfila paisagens cotidianas de lirismo e simplicidade.

AVISO IMPORTANTE

Aceitamos colaborações de poemas e/ou pequenos textos em prosa, que poderão vir a ser publicados se estiverem de acordo com o perfil da nossa linha editorial. Os textos aqui publicados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. O fanzine impresso pode ser adquirido pelo custo simbólico de R$ 2,00 (dois reais) - Assinatura Anual: R$ 10,00 (dez reais). Maiores informações entre em contato com o editor: Walmor Dario Santos Colmenero - Endereço Postal: Pça Nossa Senhora das Graças, 76 apto. 11 CEP.: 11390-090 Vila Valença - São Vicente/SP - Endereço eletrônico:
walmordario@ig.com.br

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